quarta-feira, 6 de junho de 2012

Vertigem




Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo
uma ária com a flauta. “Para que lhe servirá?” perguntaram-lhe.
Para aprender esta ária antes de morrer.”
Emile Cioran



        Passo a passo, os pés deixavam marcas sobre a areia. As ondas, com seu movimento constante, insistiam em apagar os vestígios.
        Akira caminhava lentamente, olhos em direção ao mar, indefinição entre o azul e o verde. O som das ondas ao contato com a areia, assobios e melodias em busca de amor, o vento retornando do encontro com o oceano, sons e cheiros úmidos, salinos.
       Ao horizonte um ponto negro se distinguia na brancura da areia.
       Era preciso se concentrar, é o que um samurai experiente deve fazer antes de um duelo. Porém, nesse instante, a única coisa que desejava era contemplar a paisagem, passo a passo. Perder-se entre as luzes, sombras, odores da primavera.


A respiração estava ofegante, resultado da longa caminhada. Acima de sua cabeça a paisagem de rocha e gelo causava sentimentos de deslumbramento e apreensão. Um enorme corredor gelado anunciava o início da escalada. Senin desembainhou as suas piquetas e começou a cravá-las, o encontro entre o aço e o gelo produzia um som hipnótico. Ele controlava a respiração para torná-la lenta e profunda, era hora de acalmar a mente. O início da parede era pouco inclinado, ainda assim executava cada movimento com cautela, sabia que era somente uma questão de minutos até o corpo e a mente entrarem em sintonia com o ambiente, em um estado próximo do transe, onde não haveria distinção entre o homem, o gelo e a rocha.
Flocos de neve tocavam o seu rosto. O vento castigava a pele descoberta, lembrando ao corpo o gélido ambiente externo. Sentiu uma solidão profunda.

Sorte, sorte era algo que um samurai não deveria esperar. Seria mais um duelo entre tantos outros... Até quando continuaria vencendo?
Os passos o levaram a frente de seu oponente. Os olhares dos dois homens encontraram-se. Permaneceram em silêncio, imóveis. Procuravam enxergar as intenções do adversário; se percebessem o mínimo temor no oponente, o duelo estaria terminado.


O simples som das piquetas sempre foi suficiente para que ele se concentrasse imediatamente, mas desta vez as coisas não estavam ocorrendo da maneira esperada. Em sua mente afloravam temores adormecidos. A parede se inclinava cada vez mais, o gelo tornava-se menos espesso. A cada movimento ficava mais difícil encontrar um local para sustentar a piqueta, mesmo assim ele subia lentamente.
O esforço intenso e a apreensão faziam com que seu corpo suasse. As pontas dos grampos escorregavam, a respiração aumentava o ritmo, os olhos miravam o vazio que insistia em atrair seu corpo.
Por um instante a respiração cessou, não sabia o que fazer, pensou em retornar, mas a dificuldade dos movimentos o desencorajou rapidamente. 


O inimigo lançou-se ao ataque, Akira conseguiu escapar esquivando o corpo. Pensava em revidar, mas suas mãos não efetuavam o movimento. Sua mente divagava no passado, cenas antigas de batalhas, rostos que há muito tempo esquecera. 


Perdera a noção de espaço e tempo, não conseguia recordar o que havia imaginado, mas a simples sombra do pensamento causava calafrios em todo o seu corpo. Abriram-se os olhos, não era como um sonho ruim, o abismo ainda estava lá. Equilibrava o corpo em centímetros efêmeros. Gritava com um companheiro que não existia, censurando o inicio daquela loucura.


A espada acertou o alvo penetrando o corpo.


As piquetas e os grampos rasparam a rocha e não encontraram o mínimo apoio. Em uma tentativa desesperada buscou uma saliência que não existia, os braços cederam ao vazio...


Akira sentiu um ar gelado tocando seu rosto enquanto despencava no abismo. Senin contorceu-se todo, com a sensação da lâmina perfurando seu ventre.



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