quarta-feira, 23 de março de 2011

Homens, montanhas e vento.

Patagônia 2011
Quando imaginamos um lugar por muito tempo, a memória pode mesclar a fantasia com a realidade e quando conhecemos fisicamente esse lugar, não trata-se mais de algo estranho e sim como se você estivesse retornando a um local que há muito tempo não visitava. Essa foi a sensação que tive quando visitei a Patagônia argentina.
Quem nunca sonhou em escalar alguma daquelas montanhas míticas para os montanhistas como o Torre, o Fitz Roy? Essas montanhas que tanto povoaram a imaginação agora estavam em frente aos meus olhos e era hora de criar minhas próprias memórias sobre esse local.
Para um brasileiro a primeira dificuldade é o ambiente totalmente diverso em relação ao Brasil, passamos das caminhadas nas florestas para as caminhadas entre gelo e rocha, trata-se de uma estranha realidade.
A outra é o vento, e como venta na Patagônia... É quase impossível imaginar que diante de tanto vento alguém consiga escalar algo aqui, porém, como em um passe de mágica há raros dias, que são concedidos aqueles que sabem exercitar a paciência, em que a paisagem se transforma e é possível até escalar até de camiseta.
Diante de tantas histórias de pessoas que vieram até aqui e não conseguiram escalar nenhuma agulha, os meus pensamentos questionavam se esse não seria também o meu destino.
Aqui aprendemos que o melhor amigo do escalador além de um bom companheiro de cordada, é a previsão do tempo. É claro que as previsões não são totalmente confiáveis, mas em muitos casos tem uma grande margem de acerto. Andando pelo povoado de Chaltén já é possível ter uma idéia sobre a possibilidade ou não de bom tempo. Vemos várias pessoas andando com seus meteogramas (previsões do NOAA) em mãos, fazendo planos em várias línguas sobre as futuras escaladas.
O grande problema com relação a previsão é que ela muda constantemente, o que parece uma excelente janela, pode se transformar em uma tempestade. As previsões mais confiáveis são feitas somente com 2 ou 3 dias de antecedência.
Após estar imerso na lógica da escalada patagônica só faltava conseguir grampons (equipamentos essenciais para sua segurança) e esperar que o bom tempo chegasse.
Começa a inquietação no povoado, segundo a previsão uma janela está chegando, é hora de se apressar. Nosso primeiro objetivo seria a agulha Guillaumet. Meu companheiro de cordada é o Taylor, que veio de Curitiba junto comigo.
É preciso caminhar muito, nenhuma das escaladas tem aproximações tranqüilas, é preciso estar preparado para horas de caminhada. Uma tática que funciona bem em muitos casos é subir bem leve, somente para o bivaque. Desconhecendo isso subimos muito pesados, o que nos desgastou muito. Dormimos em Piedras Negras, local de acampamento para a escalada da Guillaumet. Acordamos tarde, porém, mesmo assim nos dirigimos ao Esporão Brenner, rota que havíamos escolhido. Mais 2 horas de caminhada entre neve, gelo e pedras soltas e então chegamos a base da via. Escalamos algumas cordadas, porém, como ventava forte, resolvemos descer. Várias pessoas estavam nas montanhas para escalar neste dia e a previsão falhou. Não conseguimos escalar a via, mas havíamos aprendido muito.

Foto 1: Taylor retornando na primeira tentativa.


Dia 01/01 iria ocorrer outra janela, preparamos nossas mochilas somente para o bivaque. Luís um grande amigo de Minas se uniu a cordada e nos dirigimos novamente a Piedras Negras. Chegamos ao acampamento sem nenhum vento, do meu saco de dormir dava para ver a crista do Fitz iluminada pela lua, uma cena especial.
Acordamos cedo e nos dirigimos à escalada. Chegamos a base da via, o Luis fez cordada com o Bernardo do Rio, pois seu parceiro Julio estava doente e na outra dupla eu e o Taylor. A primeira parte da escalada pelo esporão é a parte mais bonita da escalada, com fendas de qualidade. Quando chegamos ao final da crista, já era um pouco tarde e ainda restavam uns 200 metros. Então decidimos tocar em simultâneo para agilizar a escalada, meia hora depois estávamos no cume, no primeiro dia do ano. Tiramos algumas fotos, trocamos algumas saudações com outro grupo que estava escalando a Mermoz e tratamos de descer rápido. Como não trazíamos equipamentos para gelo e nossas mochilas haviam ficado na base teríamos que rapelar pela própria via, o que significava longos rapéis. Sem maiores problemas chegamos a base. Mais algumas horas chegávamos ao bivaque, exaustos.

Foto 2: No cume da Guiullamet.

Na volta a Chaltén, recebemos a triste notícia sobre o acidente com o Bernardo Collares, que era nosso vizinho de barraca no camping. Isso nos abalou muito, agora a imagem do Fitz estaria acompanhada de outro significado, era impossível olhar a montanha sem lembrar que ele havia perdido a vida nela. Infelizmente a Patagônia tem seu lado trágico e é também esse perigo constante que tanto atrai os escaladores.
Posteriormente nenhuma boa janela se confirmou, o Taylor foi embora e eu fiquei aguardando que o tempo melhorasse, pois minha viagem estava acabando. O tempo patagônico me concedeu ainda outra oportunidade, dia 26/02. Saí correndo um dia antes procurando um parceiro para a escalada e encontrei Thomas, italiano, que estava com o companheiro de escalada com o pé machucado. Depois de algumas horas lá estávamos nós em direção ao vale do Torre, para escalar a agulha Media Luna pela rota Rubio y Azul. Depois de muitas horas de caminhada e alguns perrengues no glaciar (pegamos um caminho errado) chegamos ao acampamento Niponino, que estava lotado com as barracas de David Lama e sua equipe de apoio. Encontramos um bivaque embaixo de uma pedra, comemos algo e fomos dormir.
Foto 3: Aproximação pelo glaciar em direção ao Vale do Torre.

Foto 4: A agulha Media Luna e ao lado o Torre.
Foto 4: No cume da Media Luna.

Lá pelas 09:00 horas da manhã (um pouco tarde) saímos em direção a Media Luna. Depois de uma caminhada e alguns perrengues normais começávamos a escalar. Havia uma dupla de brasileiros a nossa frente na mesma via. Eram o Guilherme de Brasília e o Luis do Rio. As fissuras do headwall são impressionantes e a rota é linda, ela passa pela chaminé em forma de meia lua da agulha. No cume há uma visão espetacular do Torre, misterioso, gigante. Alguns escaladores próximos de seu cume davam gritos de saudação e nós retribuímos. Mais um bivaque, algumas horas de caminhada e estávamos novamente em Chaltén, justo no tempo preciso para eu arrumar minhas coisas e seguir em direção ao aeroporto.
Antes de deixar Chaltén comi alguns frutos do calafate, pois segundo a tradição, quem come esse fruto com certeza retornará a Patagônia. Em minha viagem a Patagônia percebi o quão tênue é a linha que separa a fantasia da realidade.

Um comentário:

  1. Buenos e intensos recuerdos de la Patagonia...
    Gracias amigo por la parceria!

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